Na manhã do último sábado, 11/11, uma carga de 75 quilos de explosivos derrubou, em 11 segundos o prédio 511 da Rua Frei Caneca no bairro do Estácio, centro velho do Rio. Lá funcionou, desde os anos 40, a empresa Gráficos Bloch e, a partir dos 50, a Bloch Editores, cujo carro-chefe foi o semanário ilustrado “Manchete”.
A empresa faliu, o prédio estava ocupado há anos por um grupo de sem-teto agora transferidos pela prefeitura carioca. Em seu lugar será construído um enorme conjunto habitacional. Ao lado, o grande templo batista do Rio e, do outro, o Instituto de Identificação Felix Pacheco, do governo do estado. A vizinhança não poderia ser mais prestigiosa.
A carga de explosivos foi excessiva, aquele prédio estava corroído por um cupim invencível: a imoralidade coletiva. Um dia antes, (9/11), no excelente caderno de fim-de-semana de “Valor Econômico”, a colorida “Manchete” foi detonada pelo jornalista e historiador da imprensa Matias M. Molina com um texto pesquisado, preciso, rico e arrasador, “Uma revista e seu dono”, focado principalmente no criador do império implodido, Adolfo Bloch.
Trata-se de uma resenha genuína, stricto sensu, sobre as lamentáveis “Memórias de um Sobrevivente: A Verdadeira História da Ascensão e Queda da Manchete” do ex-jornalista Arnaldo Niskier, hoje membro da Academia Brasileira de Letras.
Pseudoresenhas foram publicadas na imprensa carioca quando o livro saiu do prelo. Editoras ou autores costumam fornecer textos promocionais, “exclusivos”, com alguns parágrafos elogiosos e o saldo irrelevante, destinados a tapar buracos nos cadernos ditos culturais.
Uma boa resenha acrescenta ao livro elementos fundamentais para a sua compreensão, daí porque costuma ser guardada na estante dentro do volume que a motivou. Esta, ao contrário, o substitui tanto pela qualidade do trabalho do resenhista como pelo caráter tosco da obra resenhada.
O livro de Niskier é rigorosamente mentiroso. Estilisticamente deplorável, jornalisticamente obsceno. Quem o afirma é o próprio autor ao escolher o adjetivo “verdadeira” e assim chancelar sua coleção de patranhas. Ao designar-se como “sobrevivente” tenta legitimar-se como testemunha. Não foi. Justiça lhe seja feita: sua participação é a de protagonista — um dos muitos convivas do banquete em que foi canibalizada uma experiência jornalística à qual grandes jornalistas ofereceram seu prestígio, talento e anos de vida.
Molina flagrou com muita sensibilidade a forma leviana e ligeira com que o depoente registra as atuações dos principais diretores da “Manchete”: Helio Fernandes, Otto Lara Resende, Nahum Sirotsky e Justino Martins. Pura vingança: nenhum deles jamais deu atenção a Niskier que, como chefe de reportagem, cuidava mais da distribuição de serviços aos fotógrafos do que da orientação aos repórteres ou colaboradores.
Niskier se apresenta junto com Ney Bianchi como “os dois melhores repórteres da Manchete Esportiva”. Repórter mesmo havia um, Ney Bianchi (que participou de grandes coberturas desportivas internacionais); o depoente era noticiarista, categoria hoje inexistente. Quando ascendeu foi ajudar os irmãos de Nelson Rodrigues, Augusto e Paulo, na “cozinha” de uma revista mal-feita, burocrática, sem inspiração.
A peçonha que Niskier despeja contra Justino Martins é prova clamorosa da sua incompetência e perversidade. O gaúcho não foi apenas o correspondente da revista em Paris, foi uma espécie de diretor à distância. Foi iniciativa sua a aproximação com a revista “Paris-Match” que, Manchete em sua fase de ouro, adotou como bíblia. Também o convênio com a Agência Magnum onde trabalhavam os mais importantes profissionais do fotojornalismo internacional (Robert Capa, Cartier-Bresson, etc.). Valiosíssima a crítica das edições da revista que enviava aos diagramadores e secretários.
Revisteiro nato, sofisticado, culto, seu rival em “O Cruzeiro”, José Amádio, também gaúcho e também originário da “Revista do Globo”, operava preferencialmente na esfera do sensacionalismo onde brilhava a dupla Jean Manzon-David Nasser.
Niskier tenta distanciar-se dos excessos cometidos por Adolpho Bloch, mas ele o chamava de “titio”, tal como a corte de bajuladores e intrigantes que passavam parte do dia — e sobretudo da noite — emprenhando os ouvidos daquele mujique, bronco, insensível e invejoso. Ou lustrando as botas do sobrinho “moderno’, Oscar.
Adolpho ajudou (e protegeu) Juscelino Kubitschek por vaidade e não por solidariedade, senso de justiça ou convicção política. Tanto assim que mandou Oscar associar-se a Delfim Netto e aos coronéis “desenvolvimentistas” para faturar o “Milagre Brasileiro”, enquanto fazia o papel de mocinho e mandava os acólitos escreverem loas ao otimismo.
Como se fazem imortais (segue).