O “ Processo Eletrônico ”
O Poder Judiciário, hoje, investiu-se de nova função: administrador. Escapulindo do papel que a Constituição lhe impõe, qual seja, o de dirimir conflitos, aplicando as leis, passou a funcionar, também, como um “ gerente ”. É compreensível, dada a complexidade da qual se reveste a prestação jurisdicional, que Magistrados interfiram naquelas questões que lhes são inerentes ( correição dos serviços cartorários, assuntos disciplinares, alocação dos recursos públicos repassados etc. ).
Não é o que ocorre, contudo. Os Juízes extrapolam suas funções, desperdiçando o precioso tempo que poderia ser destinado em favor daqueles que buscam a Justiça, e dedicam-se a implantar “ sistemas ” ou “ métodos ” os quais, segundo eles, aprimoram a Justiça.
O exemplo mais gritante é o chamado “ processo eletrônico ”. A Lei n° 11.419, de 19 de dezembro de 2006, regulou a utilização de recursos tecnológicos eletrônicos, em benefício das partes, respeitadas as prerrogativas do Advogado. A regra principal está expressa no seu artigo 14: os sistemas a serem desenvolvidos pelos órgãos do Poder Judiciário deverão usar, preferencialmente, programas com códigos abertos, acessíveis ininterruptamente por meio da rede mundial de computadores, priorizando-se a sua padronização.
Desconsiderando a premissa básica, Tribunais, Brasil afora, abusam de uma alternativa válida que, se bem usada, poderia acelerar a tramitação das demandas judiciais, e impõem, de qualquer maneira, a implantação do “ processo eletrônico ”. Tudo com muito alarde, infelizmente.
O que ocorre, em verdade, é bem diferente do apregoado por Magistrados diante de jornalistas e variados fóruns. O processo continua lento, complicado. Os meios eletrônicos em nada contribuem para a modernidade da prestação jurisdicional. Partes e Advogados, isto sim, têm, diante de si, uma nova barreira a transpor: a inacessibilidade do tal processo eletrônico.
O processo judicial é público ( Constituição Federal, artigo 93, inciso IX ). Salvo naquelas raras hipóteses do segredo de justiça, todos são titulares do direito de examinar o processo judicial. Advogados inclusive, lógico ( Estatuto da Advocacia e da Ordem dos Advogados do Brasil, artigo 7°, inciso XIII ). Com o processo eletrônico, adotado sem maiores cuidados ou consultas, por um Judiciário despreparado para tal tarefa, o processo judicial está se transformando em algo inacessível, para a parte, para o Advogado e para o cidadão.
Absurdamente, por exemplo, no Superior Tribunal de Justiça, somente o Advogado “ certificado ” terá acesso ao processo eletrônico. A parte, esta nem isso. O Advogado sem recursos, financeiros ou tecnológicos, como fica ? Ninguém responde. Outro absurdo, recente, consumou-se em resolução do Presidente do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, determinando que Embargos de Declaração e Agravos Regimentais sejam julgados “ eletronicamente ”, com os Desembargadores trocando mensagens as quais, posteriormente, serão transformadas em decisões e comunicadas as partes e Advogados. Nada de julgamento público. Urna agressão colossal ao que dispõe a Constituição Federal ( artigo 93, inciso IX ).
E assim vai. A Ordem dos Advogados do Brasil parece estar atenta ao problema e algumas vitórias são alcançadas, para defender o acesso dos Advogados ao processo eletrônico ( Jornal do Commercio, Seção “ Direito e Justiça ”; 1.6.11 ).
Muito pouco. As mudanças que se implantam, paulatinamente, de forma autoritária e desavisada, comprometem o Judiciário. E, pior, não acarretam maior celeridade na tramitação do processo. Ao contrário. Uma pretensa modernidade afeta a prestação jurisdicional, agride as prerrogativas dos Advogados e compromete a função primeira do Poder Judiciário: dirimir conflitos, aplicando as leis, a vista de todos, publicamente.
Sergio Mazzillo