A posse mais badalada de um presidente do STF e, por ironia, Carlos Ayres Brito terá um dos mais breves mandatos. Em Novembro,ao completar 70 anos, deverá aposentar-se porém a celebração da semana passada é justificada pela extraordinária imagem que o magistrado grangeou na sociedade brasileira ao longo dos nove anos em que serve na suprema corte: sereno e eloquente, sábio e poético, manso e determinado, simples e sofisticado.

Um juiz, para ficar na história pela retidão dos seus votos, pelo raro conjunto de atributos e, principalmente, pelo compromisso que reiterou nas entrevistas e pronunciamentos dos últimos dias: iniciar o julgamento do mensalão, o maior escândalo político de todos os tempos, de modo a impor um ritmo inicial que ninguém ousará reverter.

O compromisso do novo chefe do Judiciário ganha, neste momento, um significado especial porque, em outro canto da Praça dos Três Poderes, no Congresso, foi criada na mesma sexta-feira a CPMI (Comissão Parlamentar Mista de Inquérito), para investigar as conexões do empresário-contraventor Carlos Augusto Ramos, vulgo Carlinhos Cachoeira. A iniciativa tem o potencial para produzir a grande faxina que o país reclama desde que a presidente Dilma Roussef corajosamente iniciou a a troca de ministros suspeitos de ilícitos.

A simbólica coincidência está destinada a produzir uma higiênica competição entre o Judiciário e o Legislativo e caso o Congresso não consiga agir com a mesma determinação enunciada por Ayres Brito, ficarão reforçadas as velhas suspeitas que pairam sobre nosso parlamento, desmoralizadas as figuras-chaves da investigação e consagrada definitivamente a judicialização do nosso processo político.

Os passos iniciais da CPMI estão contaminados por maus agouros: dos 32 membros que deverão ser confirmados até a próxima terça, 17(53%), têm pendências com a Justiça, teoricamente fichas-sujas; o mais notório, Collor de Mello, único presidente na história da República, afastado do cargo por corrupção.

Mesmo empenhados em parecerem honestos, nada impedirá que a própria dinâmica das investigações converta os representantes do partido do governo em reféns dos insaciáveis apetites do PMDB, de cujos quadros sairão o presidente da comissão (Vital do Rego, senador pela Paraíba), mais três integrantes da Câmara Alta e dois deputados. Sem contar as infatigáveis e onipresentes raposas profissionais que operam nos bastidores (senadores Sarney, Renan Calheiros e o vice-presidente da República, Michel Temer).

Minoritária, desfibrada e, desde o início do escândalo, resignada com o vexame produzido pela parceria do senador-inquisidor Demóstenes Torres (DEM-GO) com o chefão da contravenção, o empresário Carlos Augusto Ramos, a oposição não se importa com os respingos de lama que a cada novo dia são jogados na folha-corrida do governador de Goiás, Marconi Perillo (PSDB).

Na ponta do lápis o prejuízo das forças governistas será bem maior: além dos estilhaços que já atingiram gravemente o governador do DF, Agnelo Queiroz (PT) e agora acertam o ministro da Saúde, Alexandre Padilha e a empreiteira Delta, uma das maiores prestadoras de serviços do governo federal no âmbito do PAC, entrou diretamente na linha de tiro.

É cedo e além disso deletério contabilizar futuros prejuízos políticos. Até o momento o único vitorioso é o cidadão-eleitor-contribuinte prestes a ser privilegiado com uma inesperada olimpíada entre faxineiros de dois poderes para aferir quem é o mais fiel defensor do interesse público

por Alberto Dines