São legítimas as pendências no Congresso a respeito da forma de atender às exigências dos manifestantes. O grito das ruas deve ser traduzido em ações rápidas, legais, eficazes. Perigosas, altamente provocadoras, são algumas astúcias que a base aliada pretende utilizar para diminuir a dimensão das mudanças reclamadas. Como se a revolta já estivesse amainada, os ânimos aplacados e o roteiro eleitoral apto a prosseguir intocado.

As reivindicações não são descabidas: ao exigir melhores condições de transporte urbano, educação e saúde, exigia-se em simultâneo uma drástica revisão nos gastos públicos. Para compensar as perdas com a manutenção das tarifas de transporte, o governador Geraldo Alckmin antecipou-se e eliminou uma secretaria rigorosamente inútil. Terá que ir adiante: há muita gordura para ser cortada e tornar a máquina pública mais eficiente.

As aberrações administrativas na esfera federal, muito mais visíveis, deveriam  ter sido identificadas logo nos primeiros pronunciamentos da presidente da República: o número assombroso de 39 ministérios, para um atendimento público precaríssimo, já deveria estar sendo examinado. O bispo Marcelo Crivella na pasta da Pesca não é a única extravagância funcional. Os partidos que apóiam o governo já deveriam ter sido advertidos que a presidente Dilma e o PT não podem arcar sozinhos com todos os prejuízos desta crise; as fidelidades, doravante, já não poderão ser compradas de forma tão aviltante.

Ao longo destas quase quatro semanas de stress, escancarou-se a inutilidade dos ministérios dos Transportes e das Cidades. Seus ocupantes se autoexcluíram do processo decisório, sequer apareceram para mostrar quem são.

Um único ministério das infraestruturas absorveria as atuais pastas de minas & energia, transporte, portos e aeroportos. Com o nome de Ministério da Justiça e Cidadania poderiam ser absorvidas as secretarias de direitos humanos, igualdade racial e políticas para mulheres. A existência de um ministério específico não garante a satisfação das necessidades de determinado setor. Qual a justificativa para separar Pesca & Aquicultura  de Agricultura, Pecuária & Abastecimento? Por que razão micro e pequenas empresas não podem ser uma repartição do Ministério do Desenvolvimento, Indústria & Comércio?  Educação não se encaixa em Ciência, Tecnologia & Inovação? Quanto se ganharia em recursos, espaço, equipamentos, mordomias e, sobretudo, eficácia com um drástico enxugamento no primeiro escalão?

Depois do seu encontro com a presidente da República, um dos líderes do vitorioso Movimento do Passe Livre revelou sua decepção ante o despreparo do governo na questão da mobilidade urbana. Não deu detalhes, supõe-se que não faltem projetos financiados por empreiteiras para obras faraônicas e sistemas modais sofisticados

É certo, porém, que nenhum departamento de qualquer esfera publica jamais resolveu encarar o desafio da desconcentração dos horários nas grandes e médias cidades. A infernal tensão da hora do rush – uma das principais motivadoras dos protestos – talvez pudesse ser aliviada numa cidade funcionando em tempos e turnos diferenciados.

Sim? Não? Talvez: em uma cidade mobilizada em torno do seu bem-estar a hora do rush pode transcorrer sem traumas.